Considerações sobre O Cisne Negro



O filme “O Cisne Negro”, na belíssima atuação de Natalie Portman como Nina, relata a história de uma bailarina que desejava alcançar a perfeição. Filha de uma mãe que devora sua individualidade ao depositar em Nina sua frustração por não haver ela mesmo se desenvolvido em sua carreira como bailarina.  

Por sua vez, a protagonista ocupa este lugar que lhe é oferecido vivendo unilateralmente o papel da filha-bailarina, almejando perfeição e podando todas as suas demais possibilidades de vir-à-ser.

Se Nina fosse uma mulher de carne e osso, poderíamos dizer que na tentativa de atender às expectativas e não perder o amor do outro ela se mantém infantilizada, em seu quarto de borboletas cor-de-rosa e ursos de pelúcia, negligenciando sua sexualidade e agressividade, vivendo em busca da perfeição e do sucesso ancorados no desejo do outro.

O cisne negro, enquanto símbolo de tudo aquilo que ela mantinha sob severo controle, representa seus aspectos sufocados que pedem expressão e que não obtendo espaço eclodem em auto-mutilações, cleptomania, alucinações e fantasias homossexuais.

Ao furtar objetos da “prima ballerina” deseja, através deles, se apoderar das características desta. O batom vermelho lhe confere a assertividade necessária para encarar o diretor. Em sua relação com Lily percebemos uma homossexualidade reprimida ou mais uma tentativa de se apoderar das características do feminino que lhe faltam - a sensualidade, a espontaneidade e agressividade representadas pelo papel de Mila Kunis?

Inconscientemente vivendo o mito narrado pelo conto alemão do Lago dos Cisnes, Nina vive, como o Cisne Branco; aprisionada no papel da doce menina, filha e bailarina perfeita. Inconsciente do caminho que percorre, vivencia o mito em suas últimas conseqüências: A morte do cisne.


Buscando por um ideal, um modelo de perfeição inalcançável, querendo atender as exigências e expectativas do social, deixamos de lado nossa própria essência. Perdemos o contato com aquilo que realmente somos e almejamos. Muitos de nós trilhamos nosso caminho na escuridão e na tentativa de fugir da dor, levamos uma vida repleta de sofrimento. Trazer luz – consciência -  para o caminho que trilhamos é essencial para que não sejamos carregamos ao sabor das marés, mas para que tomemos nosso lugar ao leme, nos tornando donos de nosso próprio destino, vivenciando a plenitude de nosso ser.

Suprimir ou ignorar estas forças divergentes que habitam dentro de si serve apenas para ativá-las ainda mais, configurando uma maneira polarizada de estar no mundo; na qual, em um momento sou assim e em outro sou assado. Causando sentimentos conflituosos e de culpa.  Se faz necessário um olhar para esta questão, a fim de que nossas partes renegadas não reivindiquem espaço de maneira abrupta e inesperada.

Quando eu vivo unilateralmente, me permitindo interpretar apenas determinado papel, socialmente aceitável (ou não), se cria uma tensão entre estes opostos, que precisa se manifestar de alguma maneira, fazendo com que aquilo que foi mantido na sombra emerja de maneira incompatível com a postura usual do indivíduo. A sombra pode conter tanto aspectos que eu não gosto e não aceito em mim mesmo, quanto qualidades e potenciais não desenvolvidos. Não dar voz a estes aspectos impossibilita as manifestações da alma e poda as possibilidades do indivíduo, podendo ser simbolicamente compreendido como ferir-se, machucar-se, suicidar-se.

Se analisarmos o filme enquanto uma narrativa, um conto, uma história, veremos que a heroína vivência os pólos opostos para então com a morte simbólica do Eu e ir de encontro com o Self, sua essência mais profunda. A morte desta antiga maneira de estar no mundo pressupõe um renascimento, o surgimento de um novo Eu, mais integrado, mais capaz de transitar entre um pólo e outro. Pólos que agora não são tão opostos, não geram tanta tensão, porque são vivenciados como parte integrante um do outro, como Ying e Yang. O bem existente no mal e o mal existente no bem.


Sobre o filme, um amigo disse: O que as pessoas não fazem por um papel!?!

Pois eu digo: O que um papel não faz com uma pessoa!?!



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